domingo, 18 de janeiro de 2015

um misto quente e um café puro

era alguma coisa perto da hora do almoço do ano de dois mil e quinze. estava um verão escaldante, desses que se achava que seria inesquecível de tão quente... não fosse a significativa piora dos anos seguintes. até a lamentável situação em que nos encontramos atualmente. a cidade de são paulo sempre tornou as coisas ainda mais difíceis no calor. num ponto de tal gravidade que a corrida pela arborização pouco adiantou.

dois mil e quinze; tipo meio dia. ela acorda com a cabeça cheia. não era uma dor. mas era insuportável. como uma insustentável leveza, só que bem pesada. ela sente fome. mas não há nada, não há ninguém. comida nenhuma não tem. mas tem pó. antes de tudo, como o diria aquele moço que destruiu a dicico dois anos antes: tem pó.esia ! e poesia tinha. e tinha pó de café. aquela coisa que rima com fé e que não costuma falhar e que é bom para acordar.

uma caneca de café preto no desktop. um coelhinho que poderia tocar piano com ajuda de quatro mãos e duas moedas que lhe dessem forma. uma caneca branca com balões coloridos desenhados. uma ideia de afeto. aproximadamente cento e cinquenta emiélis do divino líquido preto. antes que se consuma como um todo, três cigarros já fumados.
açucar ? não, amargo ! pro âmago. o gosto puro alarga mais o paladar. apura mais o olhar. não faz maquilágem na vida. café bom é café amargo. e tenho dito.

estava ela no auge do seu novo episódio. "você está em um episódio misto" tinham dito. era domingo e nada fazia sentido. no papel, listas e listas intermináveis de coisas para fazer. ideias mirabolantes. projetos fecundos sem entretanto fundamento algum além da imaginação. e do afeto. atos falhos de conexões aleatórias. dobraram-se as drogas para amenizar a angústia. a agonia do não poder fazer tudo. a agonia do tempo faltante. de tal pronto que com tanta droga ela se sentia mais mista do que nunca. tendo vista que as alucinações de todo tipo - visuais, pensamentosas, auditivas e ideológicas - as alucinações não cessavam. mas o ímpeto de querer fazer tudo ao mesmo tempo se apaziguava.

era domingo. estava muito calor. a fé não falha. o café acorda. desperta, ela jazia os pensamentos em folhas de papel novas e em novas descobertas. ou tentativas : como recontar a história e editar o tempo? como fazer um cigarro durar mais do que cinco minutos? que músicas serão tocadas no dia de hoje? que discos serão vendidos? haverá mesmo algum sentido? precisa?

precisada de nada. vestida para um reveillon particular e privado. calcinha e sutiã brancos, puros, castos. vestida como um 'soldado do bem' - mas seria melhor se houvesse um substantivo feminino para isso - mascarava todo seu blefe e sua má intenção de destruir camelot e de revolucionar toda a nação... tínhamos então uma quantidade reduzida agora de café na caneca e um quinto cigarro em brasa. a cabeça quente e borbulhante. em chamas! eletricidade descontrolada na sua rede satélite intracrânio. pensava demais. excesso de nuvens. pode chover mais tarde... e se assim for, nada passará. pensava alto : "vamos viver a vida, porque só pensar nela atrasa !"
e... "quem me dera alguém aqui para me fazer um sanduíche !"


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