domingo, 1 de março de 2015

decepções contemporâneas

estive no sesc ipiranga ontem. fumava um cigarro na porta quando o zé olhou pra cima e disse: estou curioso para ver o que aquela garota está fazendo ali! assim ele subiu e eu fiquei lá embaixo da escadaria observando. o zé olhou a garota que dançava e mexia a boca (na minha perspectiva) por menos de vinte segundos e logo caminhou em direção ao banco para sentar-se com o roberto. primeira percepção: ela não está fazendo nada de interessante.

terminou meu cigarro. subi para ver com meus próprios olhos e ouvir com meus próprios ouvidos. uma garota de macaquinho cinza escuro se mexia, como se estivesse propondo que dançasse mas pra mim dança não é bem isso... a garota se mexia aleatoriamente e falava aleatoriamente sobre coisas da sua vida e sua experiência, aparentemente. eu, que não manjo muito dos paranauês performáticos mas ainda assim tenho minha visão própria sobre a arte e seus significados afiada num amolador dos muito bons! eu, euzinha, não via nada sendo dito naquela performance. ainda assim me forcei a observar por alguns minutos mais, interessada em compreender, interessada em ser tocada. mas não aconteceu.

teimosa, percorri o hall procurando por alguma explicação textual que estruturasse uma interpretação para tal ato. eis o que li:


"a performance parte da noção comum de obra de arte, propondo um recorte que questiona certas proposições, ampliando-as. ao expor e delimitar alguns aspectos que distinguem uma obra de arte do seu entorno, busca-se expandir as possibilidades de olhar sobre a mesma e seu papel."

alguém entendeu isso? calma, eu li duas ou três vezes, façam o mesmo!
certo, é essa meleca mesmo: conclui-se que este breve parágrafo nada explica especificamente sobre a proposta e, pior, vomita ideias sobre (uma certa manipulação da) arte que mais confundem do que ilustram e... sinceramente eu acho que serviria para vender qualquer porcaria que se deseje chamar de arte, performance, whathever... inclusive, penso cá com meus botões em eu mesma utilizar este parágrafo como modelo para eventualmente vender alguma coisa por aí, preciso ser mais cara de pau deus do céu! me ajudem... estou pobre por isso, só pode ser, porque me falta oléo de peróba e me sobra bom senso, senso crítico, vergonha na cara e amor e respeito pela arte!

andando mais um pouco, leio outra explicaçãozinha:

"por meio de um revezamento de cenas nas quais as intérpretes, com etiquetas descritivas, dançam ao mesmo tempo em que criam discursos coloquiais e espontâneos (...)"

etiquetas descritivas? wtf!? a dança não é uma criação de discurso em si? precisava blá blá blá? coloquiais e espontâneos? é aleatório assumido, vai lá e fala qualquer coisa espontaneamente... que saco! se não há nenhum filtro dramático ou dramatúrgico, por que haveria de ser interessante, relevante ou importante para mim ouvir essa qualquer coisa que elas têm a dizer?

resumindo: não era bonito, muito menos 'belo'. não comunicava nada. não me tocava, não me mexia, não me incomodava - como um trabalho artístico que parece ruim mas revira alguma coisa em você, sabe? não revirava... não era 'estranho' nem interessante. não me parecia ser um formato que será bem visto daqui há alguns anos, como algo vanguardista... não era arte. desculpem-me as senhoritas e senhores do tal coletivo cia [-mos] mas agiram vocês como grandes charlatões do conceito e vendedores de coisa nenhuma. não conheço mais nada sobre o trabalho da tal cia mas ontem, à primeira vista, pareceram-me invejáveis comerciantes de arte alguma. só isso. mas, estão faturando enquanto eu estou aqui metendo a língua num buraco que não me foi oferecido. meto mesmo. continuo pobre mas falo o que penso!

depois que a iva largou o batente e veio ter com a gente, concluímos que todos nós quatro ficamos incomodados com uma única coisa: aquelas meninas provavelmente estavam cada uma ganhando três vezes mais do que a qualquer pessoa que trabalha na cozinha do sesc durante oito horas. por que? isso é razoável? que alguém viesse dizer que aquela performance demandou anos de estudo e prática... ok, ainda assim acho que eu mesma faria coisa melhor ou que qualquer um de nós, com duas pingas na cabeça e/ou uma dose extra de medo nenhum da desonra entrava ali no espaço da 'obra-de-arte' e fazia coisa mais interessante ou similar e devidamente espontânea... meu pai, elas estão ganhando pra fazer aquilo...

hoje dei uma pesquisada e achei uma matéria no catraca livre sobre a tal performance 'exposição da pessoa' - dessa vez quase consegui compor um sentido... algumas informações me fizeram juntar um lé com cré: são oito horas de performance por dia, olha que curioso é tipo uma jornada de trabalho... tem um relógio de ponto. aonde? não vi relógio de ponto nenhum. ah, a fita amarela no chão e as fitas pretas são para parecer obra de arte de museu... hummmm... entendi... mas essa parte em especial chama minha atenção no mesmo sentido crítico em que acabei baseando esse texto... falando mal mesmo, apontando a discórdia porque... leia isso:

"...trata da "coisificação" do ser humano, especialmente do artista, assim como questiona o valor e desvalorização de seu trabalho (...)"

me pareceu que todo o texto publicado na matéria deve ser meio padrão sobre a obra, fornecido ao site pela própria cia e devia, de verdade, estar exposto pelo sesc, para colaborar com a compreensão mínima da maluquice toda. o que há de mais insuportável na arte contemporânea é exatamente isso: o artista não se preocupa mais com o público e com o sentido de seu trabalho. os conceitos ficam claros (ou são devidamente encaixados) pra/por quem estuda, lê, entende... mas o público em geral que se dane, que imagine, que... como assim? se a arte não for para o público, o que será da arte??? se não tiver sentido no mundo qual sua função? eu sempre achei que certas performances deviam ter um monitor junto, não pra ficar explicando o tempo todo, mas para satisfazer a curiosidade de quem se interessa e quer, por sua interpretação, realmente dialogar com a obra, compreender e elaborar. os signos camuflados, o nada óbvio, o complicadamente simples... se não comunicar, se não houver expressão... é arte? de que tipo?

coisificação do ser humano... é... aquela beldade magra e humana que ali se mexia e falava era realmente uma coisa. mas não me fez questionar o ser humano, assim, como um todo... só ouvi comentários do tipo maldosos sobre a procedência e envolvimentos de suas relações merchans para que ali ela estivesse fazendo aquela dancinha tagarelada sem expressividade. como ser humano, meu questionamento foi o quanto é injusto uma (suposta?) artista ganhar provavelmente muito mais do que os atendentes em geral da mesma instituição que trabalham de verdade oito horas seguidas e de verdade estão servindo ao seu papel. por que? aí vai falar em coisificação do artista... numa proposta em que o artista é realmente coisificado e reduzido à quase nada, à coisa inútil. de novo, a atuação não me fez questionar nesse sentido!!! não é claro! só me fez pensar: que rumos tristes navegamos hoje com a arte contemporânea... questiona o valor, os custos e investimentos, a desvalorização? caramba... faz sentido no texto. faz sentido na concepção, mas não faz sentido na ação! não fez sentido! era ruim, mal feito, zoado. triste. desculpem-me, triste.

num lapso de segundos, dando pulos na diagonal direita de seu quadradinho a performer me olhou nos olhos quando eu estava já prestes a sair do recinto. existiu naquele momento uma possibilidade de que ela finalmente me tocasse, me dissesse alguma coisa... mas, com meus filtros entupidos de falta de entusiasmo e decepção, apenas conseguia ler em seu olhar um pedido de socorro. tive pena. se era exatamente isso que a cia queria, que tivéssemos pena das artistas e indignação por um trabalho desses merecer qualquer tipo de pagamento... se era essa pilhéria miserável, parabéns. pra mim, vou escrever aqui pela terceira ou quarta vez essa palavra: uma porcaria. as pessoas mal ficavam olhando... algumas assistiam por uns minutos mas, não muito mais que isso... posso ter tido mesmo o azar de me deparar com uma artista da cia que fosse mais 'fraquinha' enfim... era mais ou menos sete e meia da noite, só pra constar aqui caso queiram descobrir de quem era o 'turno'...

pra concluir vos digo, vos peço, vos suplico: façam da arte de hoje algo significativo. façamos! que amanhã a gente olhe e veja que coisas boas e transformadoras foram efetivamente realizadas. expressem e expliquem. é péssimo que uma obra necessite explicação mas, se for para transformar e tal, caso a explicação seja necessária, expliquem! promovam o engajamento! não vamos ficar engavetados em conceitos lidos por uma minoria patota! é um porre isso! cadê a poesia? o onírico, o lirismo, o grotesco, o impossível, o... as performances... onde reside a arte nisso? na técnica pura misturada? nos conceitos escondidos? nos fundos de quintal da imaginação de alguém que nem faz questão de ser compreendido? se não houver signo nem conteúdo expresso o que será comunicado?

: que a arte não vale mais nada mesmo hoje em dia.

qualquer um faz qualquer coisa e chamam de arte... duchamps nao pensava em tamanha desvalorização de conteúdos quando escolheu aquele mijadeiro... ele não era capaz de supor tantas atrocidades sem genialidade nenhuma. se revira no caixão com certas coisas de hoje em dia com certeza absoluta! posso apostar que, se pudesse, viria pessoalmente assombrar as menininhas da exposição da pessoa e rasgar suas roupinhas macacões. talvez assim escancarasse um corpo-coisa ou então as (sem-)vergonhas poderiam ser definitivamente explícitas e claramente ditas com seu corpo-discurso-coisa-nenhuma. e blá blá blá...

aceito sempre seguir refletindo, claro. tentarei me livrar deste preconceito caso me depare com outras obras da cia. sim... posso mudar de ideia? posso. quem quiser me convencer, pode começar!

Um comentário:

  1. só pra não ser a chata de galocha, teve outra vez por lá que ví uma mulher numa bacia com tinta azul e achei muito genial !!! todo apoio à performances bem boldadas =D ...como essas aqui :: https://catracalivre.com.br/sp/agenda/gratis/performances-indigo-e-contornos-ficam-em-cartaz-no-sesc-ipiranga/#

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