terça-feira, 4 de novembro de 2014

à srta jaques

prezada moça,

escrevo sem medo nem arrependimento, entretanto, escrevo com dores físicas, psíquicas e quiçá espirituais. eu fui enviada pelo satélite, mas não tinha como te dizer isso pois eu não tinha autorização. foi uma pena, pois não consegui cumprir minha missão devido à nossa incomunicabilidade.

as sequelas foram mais que um olho machucado. mas, apesar delas, acho que algo de bom foi feito a despeito do não-cumprimento. entendo que o que eu tinha que fazer eu realmente fiz com todas as energias. fui, agi e em alguns aspectos não tive toda a presença de espírito ou talvez nem toda a violência necessária mas, enfim... resultado desta etapa foi que obtive méritos para uma missão maior. passei, e estou passando ainda, por uma grande limpeza. meu olhar se renovou e meu corpo se fortalece de tal forma que nada nem ninguém poderá me alcançar, me atingir ou me deter! é incrível.

mas eu realmente precisei de uma ajuda extra. fui à polícia, fiz o corpo delito e realizei todos os protocolos devidamente. você será intimada a responder pelos seus atos. mas soube, como pressupus naquele mesmo dia, que em relação à sua pessoa e à sua loucura nada mais poderei fazer especificamente sem que você mesma reconheça que precisa e peça por ajuda. é uma pena, tentei o meu melhor. e, sim, ganhei uma causa maior. nem eu, nem nenhum amigo, nem mesmo alguém da sua família pode levá-la para onde não queira ir. resta esperar que você faça uma escolha acertada.


fato é que eu sempre reconheci que precisava de ajuda e jamais me neguei a receber um braço estendido. naquela noite em que você fugiu do alojamento eu tenho certeza que caiu no sono em qualquer canto depois de vagar horas a fio abandonada pela metrópole. não consigo imaginar quais tais grandes amigos mencionou que encontrara. seus amigos verdadeiros fugiram de você, bem como a sua família... todos estão longe porque você também se ausentou, mesmo que sem querer, do plano atual e real das circunstancias.

você não perecebe. mas os satélites, seu manager, as luzes, vozes e corpos-sombra eles não são vistos nem percebidos por todos aqueles que compõe o mundo tridimensional à sua volta. as outras dimensões em que hoje você consegue habitar não são de circulação autorizada neste plano, neste planeta... de tal maneira que esse vai-e-vem é deveras perigoso. mas estás habituada à ele, tanto habituada que não mais consegue dividir o que pertence à qual espaço-tempo. da mesma forma que dois corpos não podem ocupar um mesmo espaço, também um mesmo corpo não pode estar em mais de uma dimensão. isso é substancialmente prejudicial à saúde do corpo que tens que cuidar atualmente.

notei, inclusive, que provavelmente este seu corpo tenha sido seriamente violado de diversas formas. talvez até as que você imaginou... isto porque, sua aversão ao contato físico é estranha e notória. assusta até. não pude abraçá-la não pude me aproximar. fui severamente rejeitada e açoitada por você no meu maior intento em mantê-la perto, com toda minha preocupação frente à madrugada instalada e o seu destino incerto. disse que te levaria à um lugar seguro. fosse qual fosse e... falhei em não esperar que você me conduzisse à seu local escolhido. ao contrário, desejei levá-la à um lugar bom, muito bom, ótimo, onde você receberia atenção, cuidados, cama e comida mas que, não era a sua escolha. infelizmente você ainda não está preparada para as glórias da vida. desta vida material e comum. e linda!

não... você está ainda, provavelmente porque já há muito tempo, está ainda presa à realidade difusa. eu sei de tudo isso porque conheço bem este lugar. mesmo não tendo também autorização para circular, fui, como vários somos, dotada de faculdades que me permitem ir até outros planos e dimensões. e já fui. e realmente me encantei com muitas coisas. eu sei que, neste ambiente onde estás, muito muito muito do que os outros não conseguem entender fica claro e límpido! o problema é que não dá para habitar um mundo sozinho. mesmo o pequeno príncipe - que tinha um planeta só para si e para sua vermelhíssima rosa - mesmo ele quis ter com os outros e embarcou numa viagem. sua história é uma lenda de nascimento e morte. porque quando ele quis voltar para o seu mundo, ele partiu num sono involtável. é assim. e, para que possamos conviver com os outros nessa viagem, temos que procurar permanecer dentro dos padrões de comunicabilidade compartilhados por todos. nem todos conseguem ir tão longe, nem todos são capazes de enxergar coisas tão óbvias.

o significado por trás de certos números, a lógica de determinadas imagens. o lugar exato de algumas palavras... um dia, antes do seu restabelecimento, adoraria lhe mostrar um trabalho importante que fiz quando estava ainda em contato com outras realidades. tenho saudades do significado dele e talvez você pudesse até me ajudar a lembrar de todos os detalhes que ali estão. é um trabalho muito bonito. de verdade.

mas enfim, gostaria que você compreendesse que a arte pode de alguma forma colaborar para que essa ponte que você carrega em si, entre o todo e o mundo, não se perca... mas, para que a sua integridade e identidade permaneçam intactas e para que você possa efetivamente trabalhar nesta cidade, você precisa perceber que deve voltar ao convívio. voltar ao convívio significa passar por uma fase dolorosa. uma espécie de renascimento. muitas coisas terão seu sentido alterado para que o curso normal do mundo normal do tempo normal e do espaço comum sejam recolocados em seus eixos e devidos lugares.

eu não vou te procurar. nunca mais irei atrás de você. mas estarei preparada e estarei de braços abertos para te ajudar no dia em que você escolher o lugar certo e se eventualmente você compreender que o mundo está aqui para que a gente trabalhe, para que a gente se relacione, para que a gente enfrente os problemas e frustrações etc...

eu sei quem roubou o seu celular. eu sei. foi alguém que sabia que você estava perdendo a conexão com este espaço e achou que, como você já tem um canal forte e intenso com o outro sinal e com a antena central, através do satélite, essa pessoa, o ladrão, achou que você não precisaria mais do telefone... foi isso que aconteceu... não tenha raiva, perdoe essa pessoa. ele não teve uma má ideia e não pensou em te prejudicar... mas eu sei quem foi. fui informada recentemente e, caso recupere algum de seus bens, terei o cuidado de fazer com que fique sabendo.

também não tenho raiva de você. da mesma forma, compreendo que, em não entendendo nada das minhas reais ideias e atitudes, a stra. sentiu-se ameaçada pelas minhas ações, tão sem lógica dentro do seu mundo vasto expandido mundo. ou digamos, mundos. eu te perdoei. eu aprendi e estou aprendendo.

algumas perguntas não foram respondidas. entre as mais potentes e relevantes temos: onde estão seus filhos? há quanto tempo você não vê os seus filhos? e, ainda e ainda mais importante: há quanto tempo os seus filhos não veem a sua verdadeira mãe? isso talvez não faça o menor sentido agora. mas pode acontecer de um dia fazer. gostaria muito de escrever mais. eu gosto muito de escrever e escrevo bastante mesmo. entretanto, acho que eu já escrevi mais do que a sua leitura seja capaz de absorver numa sentada só... mas eu gostaria de contar a minha versão sobre tudo que ocorreu na última semana... só que isso seria reforçar e reviver um evento traumático. terei muito trabalho para esquecer as partes ruins e ficar apenas com as lições em mente! acredito que quanto mais eu me apegar àqueles fatos sórdidos, mas difícil será para que eu possa enxergar claramente os próximos passos que devo tomar. então... deixo aqui o espaço aberto para que, somente se e quando estiveres disposta a ouvir dentro dos modos de ouvidos comuns, um dia eu possa recontar a história daquele evento que transcorreu com ambas as nossas presenças... mas somente caso você possa verdadeiramente ouvir e escutar.

fiz muitos rascunhos, compus uma música e rabisquei projetos. a música será usada com certeza, mas os rabiscos e rascunhos ficarão engavetados até que o seu sentido real se descortine. para mim. nada  mais relacionado à você. isso tudo é sobre a minha experiência e a minha revivência. olhar de fora os lugares onde estive antes foi um causo transformador. como uma vela de sete dias que se consome em poucas horas! ou como um sapato novo que aperta o pé antes de acomodá-lo devidamente. assim, preciso lacear o meu contentamento. preciso de tempo e de digestão. obrigada pela oportunidade. existem sempre coisas boas por trás dos montes. a todo instante nos deparamos com diversos tipos de morte.

esteja viva para quando decidir. esteja viva para a sua oportunidade. porque a oportunidade eu te garanto que chegará, temo pela sua chegada... a oportunidade aliás já está te esperando. venha. chegue. não se perca completamente. esteja.

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