quarta-feira, 11 de julho de 2018

quantas vezes fui ao centro

15 graus 15 horas 15 minutos 15 anos? metrô anhangabaú. terminal bandeira. eu estava voltando, no frio, coração tentando se acalmar, e vejo um quinze quinze quinze no relógio da rua e penso que é muito anjo pra causa grassadeus. é copa do mundo. brasil já perdeu. a frança está jogando com a bélgica. depois a bélgica perdeu. mas antes...

aos trintaetantos anos de idade, em julho de doismiledezoito, eu fui ao centro pela primeira vez. sozinha. pela primeira vez caminhei até a avenida pra pegar o buso, peguei o buso e fui. nervosa, agitada, mesmo com ônibus vazio eu fui de pé, não quis ir sentada. fui de pé sentindo e tentando equilibrar meu corpo naquele rolê. sozinha. eu salto no terminal e penso que está tudo bem, eu sei onde ir, eu conheço ali, eu tenho um propósito. eu sou uma viajante, pela primeira vez, navegando o largo são bento. eu vejo os mendigos e mendigas, uma delas tinha um viralatão lindo do porte de um pastor alemão dormindo na cama dela debaixo das cobertas. é, faz bastante frio. eu nem estava usando roupa suficiente, talvez isso ajuda o coração a se agitar pra manter tudo quentinho. mas não é bem isso. meu coração está apertadinho, apertadíssimo.


rua boa vista, já tem 'gente demais' na calçada e pr'além da calçada e eu estou ali tentando caminhar onde as motos não vêm. nem os ônibus nada gentis. muita gente. passo por um casal com filhinha conversando em língua estrangeira. aquilo me conforta, me sinto menos sozinha. não sou a única viajante de outras terras ou galáxias caminhando por estes ladrilhos. é gente demais, mas tá tudo bem. ladeira porto geral, começam os gritos. cabelo! cabelo natural! fazemos a peruca na hora! franja rabo de cavalo! mdf! prateleira na sua medida! placas de mdf! gritam alto. bastante alto. como se todo mundo ali fosse surdíssimo... celular a capinha! celular a capinha! aqui tá barato! celular a capinha!

consigo descer e vou direto direto direto numa loja de tecidos que eu sei que está ali e entro para pedir informação sobre zíper, obtenho a informação e sigo na saga. coração na garganta e a cabeça pensando: está tudo bem, você tá conseguindo, está tudo bem. a loja de zíper é numa rua paralela à 25 bem menos movimentada. aquilo ao invés de me acalmar me dá medo. medo de assalto, medo de sobressalto, mais medo. medo das pessoas que olham com medo umas pras outras. medo dos vigias. mas tá tudo bem. acho a loja, acho o zíper, negocio. pago. vou me embora. escolho não voltar pelo mesmo caminho, escolho voltar pela 25 mesmo. é tenebroso igual mas pelo menos tem mais gente. arrepender não arrependo, mas que é gente pra caralho é. mas é melhor que as bandas estranhas de pouca gente. caminhar é uma tarefa difícil. as pessoas se acotovelam, se atropelam, conversam alto porque tem gente gritando na rua. gritando alto. cartão de memória! espaço no disco cartão de memória! olha a toca! olha o frio olha a toca! alguns abordam você mais silenciosamente, falando baixo na hora que você passa: veio procurando bijouterias? não, obrigada. produtos para revenda? não, obrigada. a senhora precisa de óculos? não obrigada. alguns encostam de levinho em você, parecem querer te agarrar pra dentro de algum túnel do tempo pra te fazer gastar todo seu dinheiro como nunca numa loja qualquer. ardilosos. medo deles. medo dos gritos, medo dos cotovelos, medo de tanto desconhecido. a gente nunca sabe...

percebo que meu objetivo foi cumprido. tenho os zíperes! percebo que realmente estou conseguindo. percebo que o medo está lá e não vai passar só porque eu enfrentei ele com cara e coragem. mas percebo que consigo encará-lo. percebo que sinto frio. escolho me dar um presente. escolho um cachecol básico todo preto que há tempos eu gostaria de ter no meu kit-roupas. compro um cachecol pra mim e visto ele. tô mais quentinha que antes. eu merecia isso. um mimo. de verdade, merecia. tava foda ainda.

faço todo o caminho de volta, pela primeira vez subo a ladeira porto geral. um parto de subidinha. olho o anhangabaú. olho o largo são bento com sensação de missão cumprida pela primeira vez. percebo que meu direito de caminhar, de ir e vir, está ali interrompido pela administração municipal e um telão cercado, mas tudo vazio. vivo a violência que vem de cima pra baixo depois de ter vivido a violência vindo de todos os lados. mas vivo. estou viva e voltando pra casa. no meu rumo. na minha rima sem ritmo. o coração batendo de tudo quanto e jeito. pela primeira vez vejo esse medo e mesmo pensando que ele não é meu, ele está ali em mim. sei que não o quero, sei que uma hora ele vai embora. eu sei. mas por ora ele ali está. me cuidando excessivamente. mas de algum jeito cuidando. deixando minha superatenção latente, mas tá ok, faz parte.

interessante o fato de que no meio de tanta gente, tanta voz e tanto corpo a atenção se perde porque precisa se perder, não dá pra acompanhar tudo. isso é bom. é ruim, angustia, aumenta o medo, mas fica diferente. é bom também. interessante me ocorrer de ir ao centro da cidade sozinha pela primeira vez após esse tempo... interessante o jeito que foi decididr. interessante o jeito que foi. eu queria cia. eu queria muito ter cia. mas não aconteceu... eu decidi que não ia me enrolar mais por falta de cia. e fui! por mim, pra mim e comigo. fui e voltei e foi foda mas tá tudo bem.  

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